domingo, 6 de novembro de 2011

Ensaio-Caso verídico de cascável

Caso verídico de cascável

Numa segunda feira fui ao hospital, mais ou menos às nove da manhã, levar um aluno que passou mal, ou só queria matar aula, até hoje não sei. O fato é que quando parei o carro notei um homem, com trajes que faziam perceber tratar-se de um trabalhador rural, chegando com passos trôpegos à portaria do hospital. Descemos do carro e meu aluno teve um surto de melhora repentina, talvez movido pela sua boa índole de adolescente exemplar, e amparamos o cambaleante.
Perguntei ao tropeçante cidadão o que havia acontecido e ele me disse, com voz chorosa: “Uma cobra cascavé me ofendeu sinhô”. Perguntei onde e ele me apontou o pé, calçado de chinelos e com dois riscos pontilhados de sangue. Meu aluno arregalou os olhos e começou a sarar, eu gritei a atendente da portaria, ela veio correndo, e o “picado” quase desmaiou.
Entramos no hospital passando na portaria lotada de pacientes, aliás, todos muito pacientes, e todos com olhar solidário e comovido com a situação do “mordido”. Ele foi colocado na sala de emergência, o médico foi chamado às pressas, meu aluno disse que tinha acabado de sarar e eu fiquei imaginado, indignado, que o referido cidadão fosse um trabalhador que estava limpando um quintal para alguém, coisa comum em cidades do interior, e que o patrão do dia não estava prestando a devida assistência nesse momento difícil que a famigerada serpente havia colocado nosso já quase mártir da causa operaria agrícola.
Nisso um detalhe me deixou ainda mais apreensivo, o “ofendido” se recusou a deitar na maca e pedia água insistentemente. Deduzi, com toda minha filosofia, que ele estava com medo de morrer e associava a idéia de deitar com a de morte, o que filosoficamente era muito compreensível, e o pedido pela água era efeito natural, ou colateral, do veneno da cobra cascavel. Enquanto eu estava nessas divagações o médico chegou, olhou o já quase herói de uma tragédia rural e perguntou o que havia acontecido. O “pé picado” respondeu quase soluçando: “Cascavé mordeu meu pé, doutô”. O medico observou rapidamente os riscos no pé do choroso cidadão e perguntou se ele havia bebido alguma coisa. Ele respondeu, quase em lagrimas: “Bebi só uma porque tava doendo demais, doutô”. Então olhando no relógio, passava pouco das nove da manha, e era segunda feira, o doutor perguntou a que horas havia sido a dolorosa mordedura. Já chorando o “envenenado” respondeu: “Doutô, foi na sexta feira,sim sinhô”.Daí o doutor chamou a enfermeira e disse, quase xingando: “Quantas vezes eu já falei, caso de bebedeira na segunda feira não trata como emergência, tem gente precisando de atendimento rápido lá fora...aplica glicose e prestem mais atenção...”E eu, meio envergonhado, falei para o meu aluno: “Eta cascavel ruim de serviço.” E ele me respondeu: “Vai ver ela era banguela, e agora podemos voltar pro colégio porque a aula já vai acabar e eu quero é ir pra casa, segunda feira é difícil, não é Betão???



Roberto C. G. Nascimento (Betão).
Jornalista Reg. Profissional
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