sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Ensaio-Lamento de um velho

Já fui jovem, já fui chamado de “garoto”. Eu jogava bola, andava de bicicleta e até sabia capoeira. Minhas pernas eram ligeiras, fui até valente e brigador. Tive muitas namoradas, eu era um rapaz boa pinta, bom partido.
Meu tempo hoje é um passado de lembranças, algumas boas, outras nem tanto. Aprendi muito com a vida, mas esqueci a maior parte. E algo interessante eu notei, o aprendizado só chega depois do erro. Ah, quem dera pudesse um homem saber de antemão as conseqüências de seus atos, ou de sua omissão ante as situações que a vida lhe propõe. Carregamos culpas, pesos na consciência pelo que fazemos, mas principalmente pelo que não fazemos, às vezes até mesmo por não prestarmos atenção à nossa volta.
Lembro-me de um mendigo, não, era uma família, mulher, marido e filhos, dois ou três, não recordo ao certo, eu era jovem, cheguei num bar e eles estavam deitados na sarjeta, era noite de muita chuva e frio. Passei por eles sem nem olhar direito. Naquela noite me diverti e bebi até de madrugada. Quando saí eles permaneceram lá. Colchão de papelão, cobertor de jornal, e provavelmente fome. Fui embora feliz e bêbado, embriagado de mim mesmo, meu egoísmo, minha vaidade, meu orgulho, meu eu. Eu e meu. Pronome e verbo que hoje me atormentam por terem norteado tanto a minha vida. Agora não posso mais voltar naquela sarjeta e ajuda-los, ao menos reparar neles e senti-los como seres humanos iguais a mim. Talvez um boa noite, um deixar transparecer compaixão tivesse feito bem a eles, lhes mostrado esperança. Mas não, eu ia à missa aos domingos e dava esmola, pagava meu dizimo, eu não precisa notar a existência de mendigos porque me sentia em paz com Deus. Só hoje vejo que era um deus de religiões, de homens, um deus de carne e ossos transformado em manipulador de mentes e dominador de vontades, um deus instrumento de homens. Hoje penso que o Deus verdadeiro, aquele que procuro a vida inteira, estava naquela família deitada na sarjeta e eu não reparei porque estava tranqüilo rezando todo domingo.
Agora estou velho, sinto que tenho pouco ou quase nenhum tempo aqui nessa terra de enganos e mentiras. Eu rezo muito, levanto minhas vistas cansadas para o céu, mas não vejo Deus. Ah, e como pesam minhas riquezas acumuladas, que não me servem para nada, só me dão desgosto. Quem me dera ao menos a lembrança de um ato de bondade, de desprendimento verdadeiro por um irmão necessitado, mesmo que tivesse sido um sorriso, um ouvir e um conselho. Mas não, eu estava ocupado demais sendo astuto, e me sentia imortal, quanto engano meu Deus.
Só me resta esperança da benevolência do nosso criador, e do fundo de meu peito uma triste resignação, porque eu sinto que não mereço perdão.
Que a terra me seja leve...

Roberto C. G. Nascimento (Betão).
Jornalista Reg. Profissional
MTB 013756/MG
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